autoras

Érica Zíngano | Renata Huber | Roberta Ferraz
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"o Eu mais óbvio está nos olhares que os outros inclinam na nossa direcção. São estes que nos dão a identidade. É falsa, essa identidade, mas pelo menos é uma." 

Gonçalo M. Tavares


rô por ez

uma foto 3x4: ela é a mulher polvo – e explico: mulher é porque ela gosta de dizer "escritora não / uma mulher a escrever" que se eu traduzo para o português do brasil eu digo uma mulher que escreve, mas talvez com o tempo eu preferisse apagar mulher e deixar apenas polvo, a imagem que meu olhar devolve ao vê-la esticando sobre o papel a tinta roxa, na verdade lilás muito forte, sobre o branco. o branco, aliás, multiplica em braços nossos encontros e há muita vida entre nós, é isso que importa, porque ela toca abraçando com força (é uma forma de amor, o muito que cabe no coração como partilha, vinho e doce de côco, carne que mastigamos devagar, em reticências – também uma forma de ciência, mais não digo, não precisa, deixa estar). 

ez por rê

Ela traz a transparência difícil das anêmonas, o mar na pele delicada onde esconde fortalezas. Entre aqui e lá, seja onde for, faz do amor o seu levante e flutua com o sol. Lembro dela muitas vezes cantando Edith Piaf e lendo versos em francês. Uma noite, num bar em frente ao Masp, ela disse Sagitário, e uma flecha apontou-nos uma fileira de balões. O colorido da imagem e aquela lúdica leveza revelou-se com o tempo. Hoje sinto, vivo em paz com o silêncio quando o texto não dá conta. A vida é mais, ela diz, e num lugar muito longe eu a vejo escrevendo, atravessando o silêncio com um livro de poemas e um falcão nos punhos apontando para o Tejo. 

rê por rô

Lembro-me: conheci-a na noite, descemos de um vagão, o terreno era baldio. Colocamos máscaras hospitalares no rosto. O barco nos esperava sobre um líquido amarelo. Talvez tenha sido a única vez em que sentimos a densidade estranha do rio Tietê. Pouco nos falamos – mas algo ali já se anelava: um segredo que nós partilhávamos antes mesmo de nos conhecermos. Amor.

rô por rê 

O segredo está no encontro, ela diz. Porque a vida não lhe falta ela pede sem pudores, dá-se toda em cada parte e personagem do seu ser. De luas e mistérios, traz nos olhos a solidão e a ternura mais ferina. Lembro dela em turvas noites dançando Carmen com os gatos. A imagem ficou. Assim é. Com a força da amizade aprendemos a calar, e no texto responder a vida com a vida, a poesia e o confluir de nossas ficções. Onde quer que ela vá, guiada pelos astros, sei que vai, escrevendo o retorno de sua terra ancestral. E dissolvendo, escorpiana, as âncoras e os espelhos de nossos "eus" acomodados/ajuizados.    

rê por ez

entro em seu sorriso pontilhado de sardas e lá de dentro ela tira a máscara de palhaça. ela tem uma gargalhada que de longe acorda o quarteirão – insone, seu lugar é na terra, amparo para acolher tudo que cai no pé da porta e caí chuva / sol / peixe/ rede / sorriso largo / ganso e marreco / cai mercúrio / marte e vênus coincidências que não se explicam, se escrevem. muito em breve, tenho certeza, irá percorrer a alemanha bêbada como percorri o tejo, que se transformou na minha fruta mais querida, minha  pêra bêbada do coração. o amor é isso, tenho certeza, mais não digo, não preciso: deixa estar. 


ez por rô

Ouvia-a dizendo sobre os fazeres, sobre as palavras. Uma mulher extremamente em contato com seu corpo, sua voz, sua maneira de receber os outros. Intimamente puxei minha cadeira para perto dela e comecei a arquitetar o desnecessário: chegar ainda mais perto dela. Lembro-me: conheci-a nos corredores, entre uma luz e uma sala cheia de pessoas. Sentados em roda, seu riso ofuscava. Ela era engraçada e eu era tímida. O que nos assemelhava, em espelho.  O que nos une e dilata.